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As empresas rendem ao Linux

Publicado: Terça, 14 de Agosto de 2012, 11h36

EXAME | LIVROS | 06/12/2005 

Apesar do auê em torno do software livre no governo, é nas companhias privadas que o pingüim faz a diferença nos custos

ALGO CURIOSO OCORRE NA MAIOR rede varejista de utilidades domésticas do país. A Casas Bahia, que deve faturar em 2005 quase 12 bilhões de reais, é a empresa que mais vende no Brasil computadores equipados com o sistema Windows, da Microsoft. Só neste ano foram quase 100 000 PCs. que geraram um faturamento superior a 200 milhões de reais. Nos corredores da empresa, no entanto, a realidade é deferente. Dá para contar nos dedos da mão o número de micros que rodam o sistema da empresa de Bill Gates. Nos 17 500 computadores das 487 lojas da Casas Bahia, quem reina não é o Windows, mas o Linux - o maior expoente do software livre, os programas de computador que podem ser copiados e modificados sem restrições. Nos últimos tempos, muito se tem falado sobre o uso do Linux no governo. Na esteira da política de informática do governo federal, o software livre perdeu a fama de ser uma esquisitice de nerds e acadêmicos, mas ganhou outra ainda pior: de ser uma imposição de políticos esquerdistas, afinados com algum tipo de discurso contra o "gênio do mal" da Microsoft. Nada mais distante da realidade. Longe das equivocadas discussões ideológicas, os fatos são claros. Quem usa software livre faz economia, ganha produtividade e segurança. E é nas empresas privadas - sobretudo nas grandes - que os resultados começam a aparecer. Na Casas Bahia, a economia com as licenças de uso - já que o Linux é gratuito - já superou 6 milhões de dólares. A Telemar, maior operadora de telecomunicações do país, poupa 27% dos gastos com manutenção ao usar software livre nos programas de cobrança. O McDonalds economiza 25% ao ano com licenças ao adotar o Linux no sistema de delivery. A lista é longa e ainda inclui empresas como Carrefour, Pão de Açúcar, Renner e Petróleo Ipiranga. A idéia de um software sem dono, desenvolvido por milhares de voluntários espalhados pelo planeta, sempre foi vista mais como uma promessa do que como uma alternativa viável aos programas tradicionais. Depois de anos vivendo à beira do amadorismo, porém, o sistema que tem um pingüim como símbolo se tomou uma realidade incontestável nas empresas. Um dos sinais do amadurecimento do Linux é a seguinte declaração de Kevin Johnson, vice-presidente mundial de vendas e marketing da Microsoft: "Somos agressivos contra o Linux. E só somos agressivos com quem desperta nossos instintos mais profundos de competição". Johnson, porta-voz oficial da empresa contra o Linux, sabe que não são só os custos que levam as empresas a abandonar a Microsoft. Embora seja gratuito, o Linux é usado em sistemas complexos, que exigem alto grau de personalização. Adaptar um sistema às necessidades específicas da empresa pode custar até mais caro que pagar licenças de uso. Por ser aberto - e, portanto, infinitamente adaptável - o Linux tem se mostrado confiável aos olhos dos grandes compradores de tecnologia. "Já não há mais receio por parte das empresas na hora de comprar software livre", disse a EXAME John Gantz, chefe mundial de pesquisas da consultoria americana me. "O Linux é tão ou mais eficiente quanto os concorrentes: O uso do Linux pelas grandes empresas representa, acima de tudo. uma vitória para a comunidade mundial de programadores que o criou. Em primeiro lugar. comprova que é possível fazer um produto confiável com uma rede de desenvolvedores difusa. conectada pela intcmet, conforme a visão do finlandês Linus Torvalds. Em segundo, indica que os donos dos maiores orçamentos de tecnologia do mundo estão dispostos a compartilhar os riscos - e os sucessos com os criadores dos programas. pois toda modificação feita no sistema também deve ser mantida aberta e devolvida à tal comunidade. por força da mesma licença que garante sua distribuição gratuita, chamada GPL (sigla em inglês para General Public License, ou licença pública geral). A idéia do software livre foi criada há 20 anos por um típico nerd do mundo da computação, o americano Richard Stallmano Foi ele quem primeiro levantou a bandeira de abrir mão do pagamento de direitos autorais pela venda de software e criou a GPL. No início dos anos 90. um segundo nerd. o finlandês Torvalds, pôs em prática os ideais de Stallman e começou a distribuir pela internet um sistema para ser desenvolvido em conjunto com o público. O resultado foi, em 1991, a primeira versão do Linux. O desprezo por questões que preocupavam o mercado de software até então, como propriedade intelectual ou pirataria, fez do Linux um fenômeno sem precedentes no mundo da computação. O Linux penetra na base de toda a infra-estrutura tecnológica da empresa - tecnicamente é comparável ao Windows no PC. Acima dessa camada básica, funcionam os softwares corporativos, como um sistema de gestão (ERP) ou relacionamento com os clientes (CRM). Na prática, isso significa que o Linux pode existir lado a lado de programas que, na maioria, são vendidos em regime de licenciamento e raramente têm código aberto. Essa característica permissiva tem levado o Linux a roubar mercado da concorrência rapidamente. Somente no Brasil, ele está presente em 15% dos computadores de grande porte instalados nas maiores companhias do país, segundo a Fundação Getulio Vargas. Há três anos, sua fatia de mercado era de apenas 5%. Tal evolução também se reflete nas empresas que distribuem o software e prestam serviços de assistência. Num passado recente, havia no mundo mais de 300 empresas vendendo o Linux, mas esse número vem diminuindo. A alemã SuSE., por exemplo, foi adquirida no ano passado pela americana Novell. O movimento não deve parar tão cedo. "As fusões mostram que o mercado está ficando mais maduro", diz Donald Feinberg, diretor-geral do instituto de pesquisas Gartner no Brasil. Some-se ainda a adesão de grandes empresas de tecnologia ao software livre, como IBM e Oracle, e chegamos ao momento mais favorável da breve história do pingüim. Há três anos, o então gestor de tecnologia do Pão de Açúcar. Silvio Laban, havia declarado à imprensa que não usaria o Linux "nem com um revólver 38 na cabeça". Recentemente, porém, a empresa escolheu a versão da Red Hat, distribuidora americana do Linux, para rodar o sistema de automação comercial dos quase 9000 pontos-de-venda das 560 lojas das marcas Pão de Açúcar, Extra e CompreBem. Como o caixa de um supermercado não pode parar, isso dá uma idéia da confiança do Pão de Açúcar no software livre. "Os fabricantes estão assumindo a responsabilidade pelo suporte ao Linux", diz Ney Santos, diretor de tecnologia da Companhia Brasileira de Distribuição. A Casas Bahia foi ainda mais longe. Recentemente, a empresa inaugurou um centro de tecnologia em São Caetano do Sul. na Grande São Paulo, para garantir que sua infra-estrutura não saia do ar. O complexo tecnológico funciona num prédio de quatro andares. que custou 20 milhões de reais e foi projetado com a ajuda da IBM. Pergunte ao diretor de tecnologia da Casas Bahia. Frederico Wanderley, qual é o software que cuida das operações do centro. "Visto a camisa do Linux". diz ele. A empresa também decidiu adotar, nos micros usados por executivos e funcionários, um pacote de ferramentas de escritório parecido com o Office. da Microsoft, mas que. a exemplo do Linux. é aberto e gratuito - o OpenOffice. Ele inclui processador de texto, planilha eletrônica, correio eletrônico e um software para criar apresentações. O uso do OpenOffice permitiu à Casas Bahia aproveitar computadores obsoletos. sem potência para rodar os programas equivalentes da Microsoft. "Além de não ter de pagar licenças pelo OpenOffice. economizo ao não fazer mais investimentos em hardware", diz Wanderley. "Até agora, nenhuma loja parou por usarmos micros mais velhos." Embora ainda haja poucos exemplos como o da Casas Bahia, que investiu no Linux praticamente de ponta a ponta a situação mudou muito desde o começo da década, quando o software livre era muito comum nas máquinas dedicadas à internet - e só. Já se encontram empresas dispostas a colocar até mesmo o sistema de gestão, o ERP, num ambiente de software livre. Luiz Agnelo Franciosi, diretor de tecnologia da Lojas Renner, afirma ter sido o primeiro a fazê-lo. A empresa já usava software livre em diversas áreas e, quando surgiu a necessidade de investir no ERP, Franciosi decidiu instalá-la em Linux. Não havia documentação nem casos de sucesso nos quais se mirar. Mas, para Franciosi, foi um risco calculado. "Já temos muita experiência no assunto e um contato muito bom com a comunidade de desenvolvedores", diz Franciosi. "A maioria dos nossos problemas é resolvida em 10 minutos. "Como é praxe no mundo do software livre, a experiência é toda compartilhada pela rede. Entre os adeptos do Linux não há apenas pioneiros ou desbravadores das novas fronteiras da tecnologia. No McDonalds, todo o controle de abertura de novas lojas é feito por um software de análise geográfica baseado em Linux. Além disso, o sistema de delivery e três dos 20 servidores funcionam com software livre. No futuro. segundo Paulo Francez, diretor de tecnologia da rede de lanchonetes, o Linux pode até abastecer a frente das lojas. "Estamos estudando essa possibilidade", diz ele. Até em ambientes mais conservadores, como o mercado financeiro. o pingüim já dá as caras. O Itaú montou em 2004 um teste piloto para estudar o uso do Linux no internet banking e nos caixas eletrônicos. O resultado foi considerado tão bom pela equipe de tecnologia do banco que, hoje. boa parte das máquinas que fazem funcionar o banco online do Itaú é baseada em software livre. Além da economia de custos e do aumento de performance, as empresas brasileiras têm outra vantagem quando escolhem software livre. "Os técnicos brasileiros têm um nível muito bom e experiência na personalização do software", diz Rodrigo Callisperis. diretor de tecnologia do Carrefour. "Alguns anos atrás havia falta de mão-de-obra. mas hoje esse problema foi superado." Na rede varejista francesa. já são 4 000 os pontos-de-venda que operam com a tecnologia aberta. Até o fim de 2006, a idéia é chegar à totalidade dos caixas. num número estimado em pouco mais de 6 000 pontos-de-venda. A simples substituição do antigo sistema pelo Linux trouxe uma economia de custos da ordem de 20% e um aumento de produtividade de 70%. De acordo com Feinberg, do Gartner, outro sinal da qualidade dos programadores daqui é o fato de haver uma empresa franco-brasileira entre as três que dominarão o mercado mundial de serviços em Linux: a Mandriva - as duas outras são a Red Hat. a maior companhia de software livre do mundo. com receita de quase 200 milhões de dólares, e a alemã SuSE. A Mandriva é resultado da fusão entre a Mandrakesoft e a Conectiva. De acordo com o presidente. François Bancilhon, a Mandrakesoft pagou 6,2 milhões de reais pela brasileira Conectiva para contar com a criatividade dos programadores. Fundada em 1995, a Conectiva treinou 15 000 estudantes brasileiros e funcionários de mais de 100 empresas em projetos de software livre. "Fomos atrás desse talento. O preparo dos desenvolvedores é fundamental para levar o Linux para os PCs", diz Bancilhon. A Mandriva tem a ambiciosa estratégia de levar o Linux aos micros de escritório. Hoje, o Linux ainda está restrito a pouco mais de 2% das máquinas em uso, mas, segundo uma pesquisa do IDC, terá 6% do mercado global de computadores de escritório até 2007. Trata-se do território cativo da Microsoft. Por isso, a empresa de Bill Gates já mudou a estratégia de competição no ambiente empresarial. "O software livre é um competidor importante", diz Roberto Prado, diretor de estratégia de mercado da Microsoft no Brasil. Na prática, a empresa tem sido bastante agressiva. Há um grande esforço para mostrar que o Windows ao contrário da percepção geral reduz o custo total de informática das empresas. Pois exige menos personalização e treinamento. A Microsoft preparou um extenso material com 300 estudos de caso que mostram que o Windows é melhor que o Linux. Pouco mais de 100 desses casos são de empresas que migraram para o Linux e. insatisfeitas retomaram aos braços da Microsoft. Para o corpo-a-corpo, os vendedores podem consultar ainda 45 relatórios de analistas independentes mostrando as vantagens do Windows e 35 diferentes materiais online em busca de argumentos de venda contra o pingüim. De acordo com Prado, outra arma importante da Microsoft é mostrar que o maior crescimento do software livre acontece não porque as empresas abandonam o Windows, mas porque elas trocam antigas versões fechadas do sistema corporativo Unix semelhante ao Linux. Ele tem razão. De acordo com números do IDC e do Gartner, o uso do Windows até cresceu no ambiente empresarial de 2004 para cá. ainda que de maneira tímida - de 62% para 63%. O traço mais marcante da competição entre a Microsoft e o pingüim. no entanto, parece ter sido o fim da disputa apaixonada com cores ideológicas ou religiosas, por uma tecnologia ou outra. "Finalmente essa discussão chegou ao fim", diz Gantz, do IDC. "As pessoas tratavam uma decisão de negócios como se estivessem num estádio de futebol." É o argumento que faltava para mostrar que o Linux se tomou coisa de gente grande. "É preciso ver o que faz mais sentido para a empresa. em cada aplicação, sem posturas xiitas de nenhum dos lados". afirma Prado. "A Microsoft sabe que deve crescer acima do mercado para conter o avanço do Linux. É o que vamos procurar fazer."

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