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FUTURO SEM PAPEL

Publicado: Terça, 20 de Março de 2007, 09h34

Correio Braziliense-DF | 20/03/2007

Depois de ser usada pelo governo, empresas e entidades de classe, a identidade digital chega ao cidadão comum. Com o documento é possível, por exemplo, fugir das filas para resolver problemas do dia-a-dia 
  
Rovênia Amorim
Da equipe do Correio

Imagine o seu dia-a-dia daqui a quatro anos. Você precisará cada vez menos ir de um lugar a outro e de enfrentar filas para resolver problemas com a Justiça, o Fisco, o cartório e o banco. Vai ser possível solucionar as chatices do cotidiano pelo computador e também ficará mais seguro passar e-mails e fazer compras em shoppings virtuais. Basta ter em mãos um cartão com chip, igual a esses de tirar dinheiro em caixas eletrônicos — só que capaz de garantir total sigilo nas mensagens enviadas.

Essa vida com menos papel, filas e senhas e mais agilidade chegará graças ao certificado digital. É uma espécie de identidade eletrônica com o poder de embaralhar as informações enviadas pela internet de tal forma que somente a pessoa autorizada terá a chave para decifrá-las. Outra preciosidade é que a identidade eletrônica traz embutido um código único e pessoal, capaz de trancar o texto criptografado. É o que se chama de assinatura digital, com a mesma validade jurídica de uma assinatura no papel.

A contagem regressiva já começou para a novidade tecnológica chegar à população. Foi assim com o celular, o voto eletrônico e a declaração do imposto de renda pela internet. De uma hora para outra, popularizou-se. Por enquanto, a certificação digital é realidade no Brasil apenas na área de governo e das grandes empresas. No dia-a-dia mesmo, ainda traz poucos benefícios ao cidadão comum.

A exceção é na prestação de contas com o Leão e para comprar imóveis ou obter certidões em cartórios. Quem faz a declaração do imposto de renda com o certificado digital tem duas vantagens: terá prioridade na análise e, em conseqüência, na restituição; e poderá corrigir pela web as informações prestadas para sair da malha fina. Hoje a pessoa precisa pegar senha e ir à agência da Receita Federal para resolver as pendências. Mas só por enquanto...


Fim da cultura do papel(Continuação)

Rovênia Amorim
Da equipe do Correio

Desde 2001, quando o país criou a infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileiras (ICP-Brasil), que regulamenta a certificação digital, 500 mil documentos eletrônicos já foram emitidos. É quase nada, levando-se em conta os 190 milhões de brasileiros. Mas é um resultado que assusta, se considerado que cerca de 80% da população brasileira não entraram em contato com as novas tecnologias. “Não vai existir o ano da explosão da certificação digital. Todo bom projeto de tecnologia é escalar. Foi assim com o voto eletrônico, é assim com a nota fiscal eletrônica, comenta Renato Martini, presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI).

Com o aumento da oferta de novos serviços, crescerá ainda mais a procura pelo certificado digital. Vai ser possível fazer apólice de seguro pela internet, transferir veículo sem ter de ir ao Detran e por aí vai;, prevê Júlio Cosentino, diretor comercial da Certisign; autoridade certificadora privada, responsável por 90% das emissões de identidades digitais no Brasil. O preço para ter um documento eletrônico desses também vem caindo. Em 2002, um certificado para pessoa jurídica custava cerca de R$ 700. Hoje sai, em média, por R$ 150 e tem validade de três anos. É mais ou menos o mesmo valor para uma pessoa tirar a sua identidade digital.

Um obstáculo que a certificação precisa vencer para ser cada vez mais popular é a cultura do papel. "O brasileiro precisa perder o hábito de imprimir e guardar papel. Ainda está muito aculturado no Brasil essa coisa que se não tiver papel é menos seguro", comenta Renato Martini, presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI). "Temos de educar a população de que o documento eletrônico tem validade. Hoje o cartório digital ainda é pouco usado. A pessoa não quer levar o CD para casa. Quer ver o papel assinado", observa o presidente da Anoreg.

Segundo Renato Martini, ainda é preciso impulsionar dois segmentos da sociedade para que o certificado digital chegue rapidamente até o cidadão; os bancos e o judiciário. Apesar de 38% dos internautas usarem internet banking, ou seja, 4,5 milhões de usuários, ainda é bastante tímida a iniciativa dos bancos em fornecer o certificado digital aos clientes. Na Justiça, a nova ferramenta vai decretar o fim das pilhas de processos, e da demora do trâmite até a sentença do juiz. As informações do caso estarão na rede e os advogados das partes poderão consultá-las ao mesmo tempo.

Os certificados já são usados nos sistemas de processo judicial, em peticionamentos e na emissão de certidões eletrônicas. Os advogados serão a próxima categoria profissional a entrar no mundo da certificação digital. Os primeiros foram os contadores, seguidos dos corretores de seguro. "Das 1.850 empresas contábeis do Distrito Federal, 1.600 têm o certificado", observa Paulo Terra, presidente do Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis do (Sescon/DF).

Até o final deste ano, a tecnologia chegará também aos hospitais, clínicas e consultórios médicos. A partir do segundo semestre, a certificação começa a ser usada nos prontuários eletrônicos. E no futuro bem próximo, o paciente poderá levar de um médico para outro o CD com informações sobre a sua saúde. "Isso vai evitar, por exemplo, a repetição de exames"; explica Roberto Ávila, corregedor do Conselho Federal de Medicina. Ou seja, cada vez mais a certificação digital se tornará parte na vida do cidadão.

Rafael Souza, 17 anos, e Davi Costa, 18, são exemplos de como a ferramenta ainda é desconhecida. Primeiros colocados, respectivamente, no último vestibular da Universidade de Brasília para Ciências da Computação, os dois não souberam dizer do que se trata certificação digital. "Estou com medo de falar besteira", diz Davi. "Nunca ouvi falar", admite Rafael, que sempre acompanha as novidades em tecnologia. Há pouco tempo, convenceu o pai a não comprar uma TV LCD porque a TV Digital não chegou ainda ao país. "A imagem não ia ficar boa", explica.

Sabe aquela rotina de ir num cartório para transferir imóvel, reconhecer firma ou pedir a segunda via de uma certidão de nascimento? Em 17 estados do país, incluindo o Distrito Federal, já é possível fazer tudo isso diante de um computador. Há mil cartórios digitais e ainda um portal (www.cartorio24horas.com.br) que facilita o dia-a-dia do cidadão. "Já temos tecnologia para fazer uma escritura eletrônica. Posso comprar um imóvel em outro estado sem sair de casa e receber o documento pelo e-mail", explica Rogério Portugal Bacellar, presidente da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg).

Atualmente, a certificação é bastante comum entre os profissionais da contabilidade. Por conta da obrigatoriedade de assinar digitalmente as informações enviadas pela internet sobre as transações comerciais para os fiscos federal e estadual. A partir deste ano, por exemplo, passou a ser obrigatória a certificação digital para todas as empresas que começarem a operar com comércio exterior no Brasil. Assim como o uso da certificação eletrônica em 180 mil empresas na entrega da Declaração de Informações Econômico-Fiscais de Pessoa Jurídica (DIPJ), documento de ajuste anual semelhante ao Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF).



Dos romanos a FHC

O que o ex-presidente Fernando Henrique, Júlio César e Hitler têm em comum? Embora sejam de épocas diferentes, os três fizeram uso da criptografia para garantir sigilo nas informações. Em 1900 a. C., os egípcios usavam hieróglifos alternados enquanto escreviam suas mensagens em tabuletas. É o primeiro documento que se tem notícia de escrita criptográfica. O líder militar romano Júlio César usava a criptografia para comunicações de governo com seus generais. Ele trocava letras gregas pelas de latim.

Na Segunda Guerra Mundial, os alemães inventaram uma máquina capaz de cifrar em alta velocidade, a Enigma. Funcionava como uma máquina de escrever, com mecanismos rotatórios que trocavam as letras escritas por alfabeto codificado. Os nazistas mudavam a combinação todos os dias. Assim, quem interceptasse cartas que traziam mensagens importantes não conseguiria entender o que estava escrito. Os séculos se passaram, mas até bem pouco tempo atrás as informações trafegavam livres pela rede, sem garantia de segurança e sigilo.

Somente em 2001, autoridades de governo brasileiro começaram a codificar os seus arquivos e e-mails, antes de enviá-los pela rede. A criptografia eletrônica torna quase impossível a missão dos hackers de se apropriar de senhas e violar as informações sigilosas. “A gente não pode dizer que é 100% seguro, mas precisamos sempre estar um passo à frente”, comenta Gilberto Netto, coordenador de Segurança da Informação do Serpro, empresa que criou em 2000 um sistema de certificação digital para garantir segurança na comunicação eletrônica entre a Casa Civil e os ministérios. A partir daí, o uso da tecnologia ganhou novos adeptos no governo, no setor produtivo e entidades de classe. E agora aproxima-se de você.

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